PORTO
ALEGRE - Dois anos após o incêndio da boate Kiss que matou 242 jovens na
madrugada de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul,
parentes das vítimas estão perdendo a esperança de que os acusados sejam
punidos. Os quatro réus da ação penal respondem em liberdade, só um servidor
público foi indiciado pelo funcionamento irregular da danceteria e apenas uma
punição, administrativa, foi aplicada aos mais de 40 citados como responsáveis:
o bombeiro Roberto da Silveira e Souza, expulso da Brigada Militar em novembro
do ano passado por exercício irregular da profissão.
A
principal ação penal do caso — que tem como réus os dois sócios da Kiss,
Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada
Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista) e Luciano Bonilha Leão
(produtor) — dificilmente terá uma sentença nesta década. Apesar de “bem
conduzido” pela 1ª Vara Criminal de Santa Maria, segundo o advogado das
famílias das vítimas, Luiz Fernando Smaniotto, o processo esbarra em trâmites
judiciais.
— No
ano passado, o processo até andou rápido. Centenas de pessoas foram ouvidas,
houve celeridade na realização de audiências mas, para a defesa, sempre é
possível incluir mais uma testemunha ou dificultar o andamento da ação. Na
melhor das hipóteses, talvez tenhamos uma sentença definitiva em cinco, seis anos
— lamentou o advogado.
Os
parentes das vítimas temem que a Justiça desqualifique a acusação de homicídio
doloso, passível de ir a júri popular, para homicídio culposo, sem intenção de
matar. Assim, o crime estaria prescrito em 20 anos. Até 20 de dezembro, foram
ouvidas mais de 150 pessoas, entre testemunhas e sobreviventes. Foram 38
audiências em 20 meses, ainda assim, há queixas.
— O
juiz tem negado pedidos protelatórios das defesas, mas as ações protelatórias
são tantas que, em algum momento, fazem efeito e atrasam a tramitação. A
punição virou uma miragem — criticou Paulo Carvalho, pai de uma das vítimas.
As
famílias dizem que a defesa já tem pronto o pedido para incluir os peritos que
participaram do caso como testemunhas, quando as audiências forem retomadas, em
março. Isso atrasaria o processo ainda mais. Também reclamam que o Ministério
Público isentou a prefeitura de Santa Maria de responsabilidade, apesar de
saber que o funcionamento da boate era irregular desde 2011.
O
inquérito policial que investigou a tragédia indiciou cinco funcionários
públicos da prefeitura por improbidade administrativa, incluindo o prefeito
Cézar Schirmer (PMDB), também citado pela polícia por homicídio culposo. No
caso da prefeitura, a promotoria disse que houve “falha de comunicação e erro
administrativo” entre duas secretarias e que isso não caracteriza improbidade
administrativa. O MP arquivou os indiciamentos policiais.
Os
parentes de vítimas reclamam ainda que os quatro réus estão em liberdade:
Elissandro, Mauro, Marcelo e Luciano tiveram a prisão preventiva revogada em 29
de maio de 2013, após quatro meses de detenção. Desde então, os acusados não
têm restrição por parte da Justiça e estão liberados até de comparecer às
audiências de instrução do processo.
Mudança para Porto Alegre
Três
dos réus (Mauro Hoffman, Marcelo Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão) ainda
moram em Santa Maria. Elissandro Spohr, o Kiko, mora com a mulher, Nathália
Soccal Daronch, em Porto Alegre. O único que comunica à Justiça os afastamentos
temporários da cidade para trabalhar é o vocalista da banda Gurizada
Fandangueira, Marcelo Jesus dos Santos, que voltou a exercer a profissão de
azulejista. Os demais mantêm, segundo a comarca de Santa Maria, atividades
informais vinculadas à música ou a espetáculos.
O
advogado de Elissandro, Jader Marques, disse que a tramitação do processo segue
as regras do processo penal. Ele negou que esteja usando uma estratégia para
protelar o fim das audiências. O juiz Ulysses Louzada, que comanda o processo,
está de férias e volta a trabalhar em fevereiro. Os advogados dos outros réus
não quiseram comentar o andamento do processo.