sábado, 19 de janeiro de 2013

Doping de Lance Armstrong expõe descaso e troca de acusações no ciclismo do Brasil


confissão do ex-ciclista americano Lance Armstrong de que usou substâncias dopantes durante a carreira desconstruiu toda uma carreira daquele que foi considerado o maior atleta da história da modalidade. Mas não foi só. A entrevista dada à apresentadora Oprah Winfrey expôs como os mecanismos de controle antidoping ainda estão aquém do necessário. No Brasil, o problema do doping no ciclismo vai mais além e põe uma interrogação neste início de ciclo olímpico.
Desde 2008, o Brasil já registrou mais de 20 casos comprovados do uso de substâncias proibidas por ciclistas do País. Mas quem acompanha diariamente as rotinas de treinos, as principais equipes, as competições e os bastidores garante que o número seria muito maior, se houvesse uma preocupação concreta da CBC (Confederação Brasileira de Ciclismo). Denúncias e insinuações de dois dos últimos técnicos da seleção brasileira de estrada os fizeram perder o emprego.
Na mais recente, em outubro do ano passado, o então técnico Antonio Carlos Silvestre acabou desligado depois de afirmar, em uma entrevista, que o treinador afirmou que o desempenho dos ciclistas brasileiros sempre caia quando se uniam para competições, mas que seguia em alto nível quando competiam em suas equipes, muitas delas do exterior. Na ocasião, Silvestre justificou que a discrepância de rendimento atenderia por um nome: doping.
Antes dele, outros já apontavam que há algo de podre no ciclismo do Brasil. Em uma investigação conduzida pela ESPN Brasil, em 2011, a CBC foi acusada de “ignorar” e “fazer segredo” de oito casos de doping de brasileiros, comprovados pela UCI (União Ciclística Internacional) em 2010. Às vésperas de um Mundial, um ano antes, mais cinco casos foram “empurrados para debaixo do tapete” pela CBC, segundo a reportagem da emissora na época. A confederação disse ter cumprido o que manda os regulamentos internacionais, mas revelou pouco ou quase nada sobre os julgamentos e as punições dos envolvidos.
Ex-ciclista, que conviveu e competiu com Lance Armstrong durante a sua carreira, o ex-técnico da seleção Mauro Ribeiro vê que os problemas no ciclismo brasileiro continuam, apesar do discurso oficial dos cartolas. Em entrevista ao R7, ele preferiu não falar em nomes, porém afirmou que tentou alertar para situações que ele próprio viu acontecer no seu período a frente do time brasileiro de estrada, no fim da década passada.
– No Brasil o antidoping é muito restrito. É como digo, liberdade gera libertinagem. Não estou dando culpa a ninguém, não vou dizer quem utiliza ou não, mas existe uma situação pontual dos atletas, relatada em várias provas. Acho que a história do Lance serviria para que todos fizessem uma avaliação do que está acontecendo, para melhorar a nossa estrutura e na educação do atleta. É importante mostrar que há uma vida após o ciclismo, então é preciso ter cuidado com a vida profissional. É importante criar um sistema melhor, sabemos que os controles são caros, mas educar é necessário também. Lá fora quem usava tinha uma equipe acompanhando, mas aqui é de orelha a orelha, se um falar que é bom comer capim o outro vai lá e enche a barriga. Já tivemos história de morte e é algo que pode se repetir se não houver cuidado.
Com a presença dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em aproximadamente 42 meses, Ribeiro aponta que o trabalho de prevenção e melhora no controle de dopagem no País precisa melhorar, mas não com palavras, mas com ações. Entretanto, o ex-ciclista não vê perigo para o ciclismo, ameaçado de ser retirado do programa olímpico, diante de tantos casos de doping mundo afora.
O tratamento político dado ao tema também outro ex-ciclista e treinador da seleção, Hernandes Quadri Júnior. Ele, que competiu com Armstrong nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, relembra que o americano era “um cara normal” e que, mesmo com acusações, nunca foi pego, o que o tornava limpo perante a comunidade ciclística. Trabalhando com os principais brasileiros até o ano passado, quando terminou o seu contrato com a CBC, ele também prefere ver o lado educativo da confissão de Armstrong do que sugerir uma “caça as bruxas”.
– Todo esporte tem isso, sempre se diz por aí que o doping está pelo menos um ano a frente do antidoping. Não posso avaliar o Lance Armstrong, o conhecia pouco. O que vimos é que ele sabia como burlar. O que ele confessou não vai mudar apenas o ciclismo, mas todos os esportes. Serão feitos mais exames antidoping, com mais controle.

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